por Carolina Rodeghiero, Letícia Schinestsck e Pricilla Soares
Em sequência do post sobre as formações discursivas da hashtag #belarecatadaedolar no Twitter, analisamos também as co-ocorrências de palavras que apareceram em compartilhamentos da publicação da matéria da Veja na página da própria revista no Facebook. Coletamos o conteúdo de todos os compartilhamentos feitos de 18 a 20 de abril, que, com ou sem texto, somavam 2.500. (clique na imagem para ver maior)
Figura 1. Matéria da Revista Veja, publicada em 18/4/2016
Os compartilhamentos foram feitos por homens e mulheres, estas, a maioria. A maior parte das mulheres que adicionou aos compartilhamentos textos comentando a publicação da Veja lamentou a publicação e se representou de maneira diferente a de Marcela, mostrando o que seria, então, uma “mulher de verdade”. Houve também compartilhamentos de mulheres que corroboraram o discurso da revista Veja, elogiando Marcela Temer, a chamando de linda e reafirmando que ela será uma ótima “primeira dama”. Há novamente a construção social de representação do gênero feminino e a tentativa de desqualificar quem não representa a norma, ou seja, as mulheres que desconstruíram a matéria da Veja. Compilamos o texto de todos os compartilhamentos públicos realizados até a noite do dia 20 no Facebook, e apresentamos a seguir o grafo de co-ocorrências de palavras nesses compartilhamentos. A primeira diferença deste para os grafos do Twitter é que não há a hashtag #belarecatadaedolar, já que a coleta foi feita manualmente e não houve, nos textos coletados, sua menção. (clique na imagem para ver maior)
Figura 2. Grafo de co-ocorrências em compartilhamentos da publicação de @Veja no Facebook
No grafo do Facebook também percebemos os diferentes grupos discursivos. O grupo representado em laranja, por exemplo, cita bastante o texto da matéria da revista, uma forma de marcar o assunto assim como a hashtag no Twitter. “Bela”, “recatada” e especialmente “do lar” estão fortemente ligadas a “homem”, “sorte”, “cuidar”, “casa”, “escola” e “Michelzinho”, todas palavras abrangidas pela Veja no que apresentava o perfil de Marcela e a chamada sorte de Temer por ser casado com ela. O grupo em verde é mais protestante em relação à “@Veja”, chamando a revista de “machista”, apresentando um sentimento de “vergonha” e “nojo” em relação a publicação e comparando o ideal de mulher da revista como do “século passado”. Usa bastante a tag #VejaMachista e em alguns momentos fala em “golpe” no sentido de dizer que uma mulher de 20 anos casar com um homem de 62 certamente podemos chamar assim. Em alguns casos contrariando e em outros ironizando este grupo, as formações discursivas em azul se dividem entre as que falam em “amor” sob qualquer circunstância, reforçando Marcela como uma “primeira-dama” “linda” e “boa”.
Quanto aos homens que compartilharam a postagem, a maioria deles não faz comentários quando a compartilha. Algumas das postagens compartilhadas por eles recebe outros comentários, também de homens, que elogiam Marcela e a comparam com “Dilma” – aqui há, ao contrário das postagens no Twitter, mais nitidamente a comparação entre as duas mulheres, principalmente em relação à beleza. Há também comentários nas postagens compartilhadas de mulheres que são avessas ao discurso proposto pela Veja.
Os homens que compartilharam a postagem com comentários se dividem entre os que ressalvam o discurso da Veja e aqueles que o criticam; os primeiros dizendo que Marcela Temer representa realmente uma primeira-dama, e os demais lamentando a escolha discursiva da matéria. No caso dos que reiteram a mensagem propagada pela revista, os comentários apagam a existência de Marisa Letícia, esposa de Lula e primeira-dama durante o período em que ele ocupou o cargo de presidente, como na frase “depois de 13 anos o Brasil finalmente ganhará uma primeira-dama”. Ou seja, apaga-se a figura de uma mulher que não representa o gênero feminino como recatado, belo e do lar.
Twitter x Facebook
Diferentemente do que vimos nos tweets, os compartilhamentos da publicação de Veja no Facebook não trazem a hashtag #belarecatadaedolar, e não usam da ironia observada no fenômeno de publicações de fotos de mulheres do Brasil inteiro no dia 20, apresentando-se em comportamentos diferentes dos retratados pela Veja sobre Marcela Temer. Vemos aqui, sim, um dos focos da repercussão da matéria, talvez o start para o fenômeno de manifestações que surgiram.
Nos compartilhamentos é possível perceber as relações que os próprios usuários da rede estabelecem no fato de Marcela estar exclusivamente ligada ao lar, ao filho, ao cuidado com a casa e com o marido, ao fato de ela ser considerada bela e de Michel Temer, justamente e unicamente por estes atributos, ser um homem de sorte. Quem apoia a matéria reafirma a beleza de Marcela, e muitas vezes a compara com Dilma. E quem a contraria cita trechos ou usa expressões presentes na revista para justificar os pontos dos quais diferem. É possível reiterar essa observação pelo número de vezes em que o texto da revista foi citado nos compartilhamentos como forma de replicar o conteúdo da publicação com os demais membros do Facebook. Alguns dos atores trazem declarações de que jamais compartilhariam algo da Revista Veja, mas que pelo teor do conteúdo se sentiram obrigados a fazer.