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#BelaRecatadaedoLar: como a hashtag foi apropriada no Twitter

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por Pricilla Soares, Letícia Schinestsck e Carolina Rodeghiero

Nos últimos dias acompanhamos na internet a manifestação de muitas mulheres e também de alguns homens postando textos e especialmente fotos com a hashtag #belarecatadaedolar. A viralização da tag se deu originalmente pela publicação de uma matéria da Revista Veja, que apresenta a vice primeira-dama Marcela Temer em fatos contados por pessoas de seu círculo familiar e social. A Veja exalta a personalidade e estilo de vida de Marcela, que, como o próprio título da reportagem apresenta, se resume em ser uma mulher bela, recatada e do lar.

Houve grande repercussão da matéria em sites de redes sociais como o Twitter e o Facebook. Em dois posts (veja o outro post aqui) nos propomos a analisar dados de co-ocorrência de palavras encontradas em publicações de ambos os sites. No Twitter, coletamos tweets sob a hashtag #belarecatadaedolar em três momentos do dia 20 de abril; e no Facebook extraímos os textos de compartilhamentos da publicação da página da Veja no site realizados do dia 18 (data da publicação) até o dia 20.

Coletamos ao todo 35.948 tweets em três momentos do dia: às 11 horas da manhã, às 16 horas e às 17h30min da tarde. Para analisarmos as co-ocorrências de palavras no Twitter, iniciamos com os dados da coleta das 11h, passamos pela das 16h e finalizamos com a das 17h30min, as três do dia 20 de abril. Para extrair os dados, usamos o NodeXL. Já a formatação e filtro fizemos com o Notepad++ e o Textometrica, enquanto os grafos finais foram criados com o Gephi. Com os grafos representativos das co-ocorrências de palavras em relação à hashtag #belarecatadaedolar no Twitter, temos uma visualização nítida sobre o que está sendo discutido na internet em relação ao assunto. O grafo a seguir apresenta as menções encontradas nas primeiras horas de discussão do #belarecatadaedolar no Twitter. Ao todo, foram coletados 2.872 tweets.

Para analisarmos as co-ocorrências de palavras no Twitter, iniciamos com os dados da coleta das 11h, passamos pela das 16h e finalizamos com a das 17h30min, as três do dia 20 de abril. Para extrair os dados, usamos o NodeXL. Já a formatação e filtro fizemos com o Notepad++ e o Textometrica, enquanto os grafos finais foram criados com o Gephi. O grafo a seguir apresenta as menções encontradas nas primeiras horas de discussão do #belarecatadaedolar no Twitter. Ao todo, foram coletados 2.872 tweets. (clique na imagem para ver maior)

BRdL_Twitter_11h_normalFigura 2. Grafo das co-ocorrências no Twitter às 11h do dia 20/4/2016

Em uma primeira observação, percebemos em laranja a forte ligação entre “Revista Veja”, “homenagem” e “bordadinho”, vendo que essas palavras também estão conectadas a “machismo”. Tal grupo discursivo faz menção à matéria da Veja de forma crítica e contra a mensagem contida na revista. O grupo representado em verde está diretamente ligado ao primeiro, contendo a menção “mulher”, bem forte na rede, junto a “vida”, “exemplo”, “decorativa(o)” e “machismo”, sugerindo aqui a série de posts em que o apelido “decorativo” também serve para a esposa de Michel Temer, que sofre críticas sobre ser um vice-presidente decorativo no Governo. “Exemplo” e “vida” são fortemente ligados por exaltarem como a Veja anuncia Marcela Temer como um exemplo de vida, e sua ligação com “machismo” opina que atores são contrários a esta opinião. O grupo em azul liga sempre Marcela ao marido Michel Temer, e o grupo em roxo representa os tweets que mais fizeram menção a outras hashtags, como #vejamachista, #SQN e #ficaquerida, apresentando aí mais discursos contrários à Veja.

Espaço de desconstrução

Com a tag #belarecatadaedolar e a relação de uso de termos como “machismo”, “homenagem”, “bar” e “patriarcado” percebe-se a tentativa de desconstrução daquilo que a Revista Veja tentou reproduzir na matéria, sobre o que seria aceitável em uma pessoa do gênero feminino na sociedade atual. Entendendo o gênero como uma construção social e que sofre interferências de contextos históricos e culturais (Butler, 2013; Scott, 1995) pode-se compreender que são usados alguns termos e tags como #vejamachista e #sqn para reafirmar que a revista está estabelecendo um padrão de gênero feminino que não é tão corroborado por alguns grupos sociais.  A própria tag que gerou o protesto e os espaços de fala criados a partir dela, contrários ao que as palavras “recatada” e “do lar” significam, já representam uma quebra discursiva. Há a relação direta dos termos “Veja” e “homenagem”, que usam o recurso do humor e da desconstrução de uma norma que performatiza o gênero feminino, a fim de tentarem estabelecer novas formas de ser e agir das mulheres.  Há ainda a presença da tag #FicaQuerida, apresentada na Figura 2, criada em oposição ao slogan “tchau, querida” dos deputados federais que são a favor do impeachment, e que discursivamente também apresenta características de violência simbólica contra o gênero feminino.

Outros tweets são mais didáticos, explicando que a crítica e o protesto não são contra Marcela Temer, mas sim contra a visão machista da Revista Veja (#vejamachista), que coloca a mulher não como parte de um todo social, mas sim a limita ao lar, ou a uma vida mais tradicional.
No meio da tarde, com a hashtag ainda mais trending, coletamos o total de 15.945 tweets às 16 horas. Desta coleta surgiu o grafo a seguir, que apresenta em cores os principais grupos discursivos do momento em que muitas pessoas estavam discutindo o assunto ao mesmo tempo no Twitter. (clique na imagem para ver maior)

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Figura 3. Grafo das co-ocorrências de palavras no Twitter às 16h do dia 20/4/2016

A começar pelo grupo em amarelo, percebemos novamente a palavra “homenagem”, ligada desta vez a “ops” e aos principais atores nessas co-ocorrências. O grupo em verde liga #belarecatadaedolar a tag #vejamachista, “machismo”, “foto”, “parecidas” e “bar”. Aqui percebemos a já existência na rede do movimento em que diversas mulheres postaram fotos e imagens em tom de ironia quanto a serem também “belas, recatadas e do lar”, o que, neste caso, aparecia também como do “bar” nas publicações. O grupo discursivo em azul aparece sob as palavras “Temer”, “primeira dama”, Marcela Temer”, “presidente”, “namorado” e “diferença”. Vemos aí uma discussão em torno dos personagens da matéria em si, Michel Temer já apresentado como presidente, Marcela Temer como primeira dama, e também o comentário sobre ele, com 43 anos de “diferença” de idade para ela, provavelmente ter sido o primeiro “namorado” da moça, que tinha 19 anos quando tiveram o primeiro encontro.

Outro grupo usa co-ocorrências como “mulheres”, “contra”, “tradicional”, “casa” e “anos”, e este grupo está conectado ao que menciona a palavra “feminista” em azul claro, junto a “mulher” e “lugar”.

O #SQN – “só que não” – aparece novamente. Com apenas três letras, a expressão tem o poder de desconstruir toda a composição do tweet. Assim, o discurso significa seu contrário somente pelo uso da hashtag. Observamos o uso de #SQN especialmente nas postagens que ironizam o próprio usuário, isto é, publicações em que o indivíduo utiliza sua própria imagem para se mostrar contra o discurso da Veja e não apenas apropriar-se de uma figura pública (Marcela Temer) para a construção de seu posicionamento sobre o assunto. De um jeito bem humorado, atores na rede começaram a se “auto-memetizar”, se é que podemos chamar assim, e engajar-se no movimento na rede.

Só foi possível participar do #belarecatadaedolar aqueles que buscaram em seu cotidiano momentos nos quais seu comportamento seria julgado oposto a belo, recatado e do lar. Para “brincar” com a rede, portanto, é preciso que se pense uma maneira que esteja inserida na proposta e isso, consequentemente, obriga que se faça um esforço mental e se reflita sobre o que está acontecendo no contexto atual onde se está inserido. Saber como se enquadrar na piada para que ela tenha graça. Que sentido haveria se as mulheres postassem fotos cuidando da casa, cozinhando ou coisas parecidas, se não houvesse o entendimento comum da hashtag? Desta forma, o humor contribui como o gatilho para que o discurso conservador utilizado na matéria da Veja seja questionado e refletido por usuários que sequer são atingidos por outras vias, mas que se sentem provocados e instigados a participar da mobilização coletiva online.

“Feministas”

O termo “feminista” aparece com menor ênfase, mas é usado categoricamente como um termo pejorativo. Os tweets que citam “feminista” ou “feministas” também estabelecem uma representação para pessoas do gênero feminino que não se encaixam nas expectativas por elas esperadas.  Os discursos criados em tornos dos termos usados estabelecem uma norma e uma violência simbólica e sistêmica (Bourdieu, 1989; Žižek, 2009) , que tenta recolocar as mulheres “em seus lugares”, afirmando o que as mulheres “tem que ser”  e qual o “lugar de mulher”.

A própria postagem da @mc_caroloficial usando o humor desconstrói a ideia padronizada do que representa o gênero feminino para as próprias mulheres, mas também estabelece comparações diretas entre Marcela Temer e seu estilo de vida, o que pode gerar diferentes interpretações.

A última coleta do Twitter foi às 17h30min, com #belarecatadaedolar ainda trending. Criado a partir desta coleta, o grafo da Figura 4 apresenta grandes semelhanças em comparação ao anterior. No grupo azul, por exemplo, observamos novos termos como “Rihana”, “recatado” e “belo”. O nome da cantora se misturou ao assunto pela estréia de um videoclipe no dia 19, cuja crítica considerou “para maiores de idade”, ou seja, nada recatado, sob a ótica da linha editorial da Veja. (clique na imagem para ver maior)

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Figura 4. Grafo de co-ocorrências no Twitter às 17h30min do dia 20/4/2016

É interessante o uso de recato e beleza desta vez para qualificar o masculino. Isso se deu especialmente por publicações que tentaram abordar o tópico de forma a inverter a situação e apresentar, por exemplo, alguma figura política como belo, recatado e do lar, e o quanto isso, na opinião dos atores, também não faria sentido.

Comparações entre Marcela Temer e Dilma Rousseff

Por fim, observamos que apesar do perfil de Marcela Temer ter sido divulgado pela Revista Veja em um momento político do País no qual uma presidenta mulher está sendo julgada em um processo de impeachment, de outras reportagens terem surgido falando sobre o “descontrole emocional” de Dilma Rousseff, e outras publicações contendo violência simbólica e de seus estereótipos  (como foi o caso da revista IstoÉ, que também suscitou um protesto no Facebook e no Twitter), a presidenta não foi muito citada nos tweets, deixando o foco do protesto realmente para a publicação da Revista Veja, sem estabelecer discursos comparativos sobre diferenças no tratamento dado a essas mulheres e o que elas representam socialmente.

 

Metodologia
Coleta: NodeXL
Formatação e filtro: Notepad++ e Textometrica
Formatação e análise: Gephi

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