Um dos nossos temas de estudo aqui no MIDIARS é a questão da violência de gênero. Por isso, observar a tag #primeiroassedio foi bastante importante e já está dentro de algumas produções que estamos fazendo. Apresento aqui alguns dados do que estamos analisando. Coletamos 76975 tweets com a tag, entre os dias 22 e 23/10. O mapa da rede mostra uma grande densidade e clusterização, o que é típico de redes ativistas, ou seja, que engajam as pessoas que ficam repassando os tweets relativos ao assunto inúmeras vezes.Essa hipótese é reforçada pelo tamanho da rede (26077 nós) e pelo número de arestas (62376).
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Na figura acima, vemos os nós por indegree (atores que receberam maior atenção da rede – número de RTs e menções) aparecem em tamanho maior e por grupos (atores que, pelas conexões, tendem a estar mais perto uns dos outros). Vemos núcleos bastante ativos em torno da tag. É interessante que aqueles que se apropriaram da hashtag para trollar ficaram à margem do grande núcleo (em laranja, abaixo), não recebendo atenção do centro da rede.
Discursos sobre a hashtag
O nosso principal interesse é compreender como se articulam as disputas discursivas e as formações discursivas que podemos observar no conjunto de dados. Analisamos, portanto, os conceitos mais utilizados pelos atores em suas falas e suas conexões. Para isso, utilizamos métodos mistos, com análise de contingência e análise de redes para compreender o que estava sendo dito. No primeiro mapa discursivo, a seguir, vemos os conceitos mais fortes na totalidade do que foi dito. Mantive a hashtag (que obviamente apareceu em todos os tweets) para fins de comparação.
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Vemos, ao centro, a dualidade de gênero, com as citaçòes “homens” e “mulheres”(indicando que esta dualidade foi mantida na discussão). No núcleo vermelho, fortemente associado às mulheres, temos “cultura”, “estupro”, “assédio”, “roupas”, “sociedade”, “culpa”, “nojo” e “violência”. Em verde, os conceitos mais centrais são (além de “#primeiroassedio”) “homens”, “piada”, “criança”, “medo” (que está mais próximo de “mulheres”), “feminismo”, “criança” (a tag surgiu depois da denúncia de assédio sexual na internet a uma criança participante de um programa de TV), além de “vergonha”, “sofrimento”, “tristeza”.
Selecionei apenas os nós mais conectados e citados, para que pudéssemos ver a essência do que foi dito. Esses conceitos foram aqueles mais usados pelos atores para comentar a hashtag em seus tweets.
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Mas o mapa que permite a identificação das FDs em seu contexto é sempre aquele onde os dados estão normalizados. A seguir, vemos os conceitos mais frequentemente associados, por cores, com aqueles com maior frequencia em tamanho maior.
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Creio que essas associações são bastante auto-explicativas. Chamo a atenção para “cultura” e “estupro” (em vermelho, a direita) e para o contradiscurso (“vitimismo”, “brincadeira” e “mimimi” em laranja, a esquerda). Embora vemos aí que esse discurso (da piada e da ridicularização da hashtag) tenha sido bem menos frequente, vemos claramente que ele existiu. Com a questão central da redação do ENEM ontem focando a questão da persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira, creio que vemos um momento propício para a discussão da violência de gênero também.