Pesquisa e post por Pricilla Farina Soares
Nos últimos dias usuários/as de sites de rede sociais como o Twitter e o Facebook vem falando sobre o caso de estupro coletivo da adolescente de 16 anos, que aconteceu no Rio de Janeiro, e também sobre a cultura do estupro no País. O tema começou a gerar repercussão no dia 25 de maio, quando usuários do Twitter estavam pedindo que os perfis de três acusados do estupro coletivo tivessem suas contas denunciadas. Um deles divulgou um vídeo da adolescente no Twitter e outros postaram fotos da menina no Facebook.
Coletamos ao todo 55.165 tweets em quatro momentos, do termo “estupro”. Duas coletas foram feitas no dia 25 de maio, uma ao meio-dia e outra às 16h30, uma coleta feita no dia 26 de maio, às 17 horas, e a última no dia 28 de maio, 00h30. O intuito era fazer grafos representativos das co-ocorrências de palavras em relação ao termo a fim de visualizar o que estava sendo discutido em relação ao assunto na rede e as modificações com o passar dos dias.
Primeira coleta: dia 25 de maio, meio-dia
O grafo abaixo (grafo 01 – clique na imagem para visualizar maior) representa as principais menções encontradas logo que o termo surgiu nos trending topics no Twitter. Ao todo, foram coletados 15.609 tweets, no dia 25 de maio.
Grafo 1: co-ocorrências no Twitter ao meio-dia do dia 25/05/2016
Observando o grafo apesar da dispersão de tweets há três grupos que aparecem com as arestas (as conexões dos termos) em maior evidência. O grupo em vermelho se refere ao Acusado 01, que divulgou o vídeo da adolescente na rede, onde as pessoas o chamam de “moleque” e “metido a transão”, relacionado ao termo bebida (que ele teria dado à jovem), afirmando que ele havia filmado a adolescente, linkando o perfil dele para que as pessoas fizessem a denúncia. No grupo em azul há menções ao perfil da Polícia Federal, indicando os perfis dos acusados de divulgarem o vídeo e as fotos, e o termo “investigue”, pedindo que a Polícia faça algo a partir da denúncia desses perfis. O grupo em verde se refere a um usuário (que recebeu diversos retuites) da rede que faz menção a Polícia do Estado do Rio de Janeiro, pedindo que se tome uma atitude.
Quanto maior o termo aparece nos grafos, mais vezes ele foi citado nos tweets, portanto, além do termo estupro, que foi a palavra usada para a coleta, surgem também os termos garota, menina e mina, todos relacionados à adolescente que sofreu o estupro coletivo e foi exposta na rede. Consequentemente o perfil do Acusado01, que divulgou o vídeo da menina, também aparece com destaque nos termos mais usados, assim como “vídeo”, “denunciar” e “divulgaram”.
No grupo em verde, na parte inferior do grafo, aparece a relação dos termos “vítima” e culpa”, na qual a maioria dos tweets afirmava que a culpa não é da vítima. Aparece também o termo “nojo”, em que as pessoas se referem ao nojo que sentem do mundo em que estão vivendo, “crime”, com tweets dizendo que estupro é crime, e o repúdio a quem estava “compartilhando” (ainda que com o intuito de que as demais denunciassem) ou que estavam rindo do vídeo. Neste primeiro grafo as menções e as relações dos termos tem como foco a denúncia dos perfis de quem compartilhou o vídeo do estupro coletivo da garota, já que a rede recém havia ficado sabendo do que estava acontecendo. Há, portanto, uma mobilização para que as denúncias sejam feitas e um repúdio ao que aconteceu.
Segunda coleta: dia 25 de maio, 16h30
A outra coleta, feita no mesmo dia, mas no período da tarde (16h30) traz outros termos. No segundo grafo (grafo 02) foram coletados 18.767 tweets, e nele os clusters estão mais separados, o que torna possível perceber os discursos mais nitidamente. No grupo rosa/roxo surgem os termos “desprezível”, “nojento” e “desumano”, para se referir ao ato do estupro.
Grafo 2:co-ocorrências no Twitter às 16h30 do dia 25/05/2016
No grupo em azul o termo “machismo”, “homem” e “indignassem” aparecem relacionados a um tweet da Usuária 02 que fala que gostaria que os homens se indignassem com estupro e machismo assim como se indignam ao serem generalizados. Isso porque muitos tweets estavam falando sobre o medo em relação aos homens e as tentativas de justificar o estupro coletivo por parte deles. A palavra “piada” aparece com destaque em tweets que explicitam o fato de que o estupro não deve ser tratado com piadas.
Novamente os termos “culpa” e “vítima” aparecem, com tweets reafirmando que a culpa não é da vítima, e então também há o grupo em verde com os termos “culpado” e “estuprador”, na qual os tweets indicam que o culpado pelo crime é sempre o estuprador, e não a vítima.
Os termos “bêbada” e “roupa” também aparecem em tweets afirmando que não interessa se a mulher está bêbada ou a roupa que ela está vestindo, não há justificativa para o estupro. “Direito” aparece em tweets para dizer que ninguém tem o direito de violar o corpo da mulher, termo que também aparece com destaque. O termo “defendendo” está linkado ao “justificativa” porque muitas pessoas se mostraram indignadas com o fato de que há pessoas buscando justificativas e defendendo o ato. O grupo em laranja aparece com os termos “estupro coletivo”, com menções ao perfil da Polícia Federal e o Acusado 01, que após as denúncias e o fato já ser de conhecimento da rede – e o perfil dele ter sido bloqueado – não recebe tantas menções.
Terceira coleta: 26 de maio, 17h00
A terceira coleta do termo “estupro” – que já não aparecia mais nos trending topics – foi realizada no dia 26 de maio, às 17h00, onde foram coletados 15.877 tweets (grafo 03). Os termos de maior evidência gerados neste grafo são “estupro coletivo”, “garota/menina/moça”, referindo-se à adolescente estuprada, outro termo que também aparece em evidência, assim já surge também o termo “cultura do estupro”, assunto que foi muito debatido no Twitter e também no Facebook e gerou uma série de questionamentos sobre o que é e como combater a cultura do estupro.
No grupo em azul é possível perceber que há a relação das palavras “crime”, “vítima”, “violência”, “polícia”, “garota/menina/moça”, “estuprada”, “suposto” e o perfil do @JornalOGlobo, que aparece noticiando sobre o estupro coletivo. Havia tweets debochando e reclamando do fato dos veículos de notícias estarem usando o termo “suposto” para tratar do estupro, ainda que existam vídeos e fotos do acontecido.
Grafo 3: co-ocorrências no Twitter às 17h do dia 26/05/2016
No grupo em vermelho aparecem relacionados os termos “absurdo” e “feminista”, sobre tweets que diziam que não era necessário alguém ser feminista para achar estupro um absurdo. O termo “feminista” também apareceu em tweets dizendo que as feministas omitiram o fato de que foi a ala “machista” que denunciou o vídeo. Os termos “machismo” e “feminismo” também aparecem fazendo contraponto sobre a cultura do estupro, falando sobre a necessidade do feminismo e a existência do machismo na sociedade.
O outro cluster do grafo, em roxo, usa os termos “terror”, “indignação” e “tristeza” sobre a reclamação de uma usuária que se diz indignada por ter postado sobre o estupro com tristeza e ter recebido piadas como resposta. O termo doença surge novamente a fim de reafirmar que ser estuprador não é doença, por isso o termo aparece, ainda que não muito evidente, relacionado à expressão “cultura do estupro”.
Quarta e última coleta: 28 de maio, 00h30
A última coleta foi feita na madrugada do dia 28 de maio, e corresponde ao menor número de tweets: 4.912. Além do termo “estupro coletivo” a expressão “cultura do estupro” aparece como um dos termos mais citados e mais centrais.
Grafo 4: co-ocorrências no Twitter, 00h30 do dia 28/05/2016
O grupo em azul faz referência a uma notícia do @JornalOGlobo, sobre especialistas falando como a cultura machista culpa as vítimas de estupro. O perfil do @UOLNotícias também aparece comentando sobre o caso no Brasil, e o termo “imprensa internacional” traz tweets que ressaltam o fato de o caso ter repercutido em outros países. Os termos “jogador” e “suspeito” se referem ao ex-namorado da adolescente, acusado de participar do estupro coletivo.
O termo “justificativa” (em verde) aparece relacionado ao termo “mulheres” e a tag “#EstuproNãoÉCulpaDaVítima” (que apareceu no Twitter no dia 27 de maio), com o intuito de desconstruir o discurso da cultura do estupro que tenta buscar justificativas para as mulheres vítimas de estupros ou outras violências. “Piada” é referente a mais de mil retuites no qual Usuário 06 afirma já ter feito piada sobre estupro há alguns anos, mas que sua mentalidade era totalmente infantil.
Resumo:
Com as quatro coletas realizadas percebe-se que no primeiro grafo o intuito das pessoas era, principalmente, pedir que os perfis dos acusados fossem denunciados, já que um deles havia postado o vídeo da menina que sofreu o estupro coletivo. Os perfis da Polícia Federal e da Polícia do Rio de Janeiro são mencionados e os comentário são sobre o que está acontecendo. Também surgiram tweets recriminando aquelas pessoas que estavam compartilhando o vídeo, ainda que com a intenção de fazer com que as pessoas os denunciassem.
Já no segundo grafo a repercussão se modifica um pouco e começa a se construir discursos de repúdio ao ato, o reforço de que a culpa não é da vítima, mas sim do estuprador, e que independente da roupa que a mulher veste seu corpo não deve ser violado, assim como o termo machismo surge para mostrar que os homens poderiam se chocar com o machismo assim como se chocam quando ao falar de violência contra a mulher eles acabam sendo generalizados.
O termo “cultura do estupro” surge nos terceiro e quarto grafos, assim como os termos “violência”, “feminista” e “feminismo”, construindo a ideia de que há, na verdade, uma cultura de violência contra a mulher, de reafirmação de que o estupro não é uma doença e a presença dos termos “justificativa”, “justificar” ou #EstuproNãoÉCulpaDaVítima, que reforçam a ideia de que não há como justificar tal ato. Parece haver uma necessidade bem pontual de caracterizar esses discursos para que as pessoas que buscam justificativas não as façam.
Formatação e filtro: Notepad++ e Textometrica